Deve ser permitida a internação compulsória de viciados em crack? SIM
A disseminação do comércio e do consumo do crack na sociedade brasileira é um fenômeno não mais passível de contestação, atingindo tanto a população urbana quanto a rural. A despeito de relativa prevalência entre os consumidores de baixa renda, o crack já é demandado por segmentos da classe média, envolvendo homens e mulheres, jovens e adultos.
Estamos diante de uma importante mudança no mercado das drogas ilícitas no Brasil, que se encontra revigorado pela introdução de nova mercadoria, que atrai consumidores ávidos e compulsivos.
É uma droga muito atrativa não apenas pelo baixo preço, comparativamente à cocaína em pó, como também pelo prazer que proporciona a seus usuários.
A despeito do fato de o crack ainda não ser a droga mais consumida no Brasil, é imperativo reconhecer que os malefícios sociais gerados por ela são muito superiores aos das demais drogas ilícitas comercializadas no território nacional.
Seus impactos estão presentes tanto na segurança pública quanto na saúde pública. Há, por exemplo, uma relação muito estreita entre comércio do crack e crescimento da incidência de homicídios.
Isso porque o comércio do crack tende a intensificar os conflitos entre os atores econômicos envolvidos, em especial entre vendedores e consumidores. O grau de endividamento no comércio do crack é superior ao verificado no comércio da cocaína em pó e da maconha.
Num contexto social em que a violência é pouco controlada pelos traficantes, a proliferação de homicídios torna-se inevitável.
No que diz respeito à saúde pública, as consequências do consumo do crack não são menos graves.
É uma droga que gera proporcionalmente um contingente de usuários compulsivos e, por que não dizer, vítimas de dependência química em intensidade bastante superior às da maconha e da cocaína em pó. A proliferação das cracolândias nas cidades brasileira não é a única manifestação desse fenômeno.
Inúmeras famílias têm convivido diariamente com usuários que destroem suas carreiras profissionais, seus laços de sociabilidade e atormentam as relações internas.
E é nesse aspecto que devemos rever a legislação brasileira, que restringe severamente a internação compulsória de dependentes químicos. A legislação está dificultando a busca de soluções mais adequadas para o problema.
Não há mais como negar que a compulsividade gerada pelo crack é bem superior à das demais drogas lícitas e ilícitas consumidas no Brasil. Prescrever que o usuário do crack que se encontra em estágio avançado de dependência da droga somente poderá ser internado para tratamento mediante sua manifestação voluntária é atitude completamente ingênua.
É chegada a hora de deixarmos as ideologias de lado e encararmos a realidade de frente.
Faz-se necessário que o Congresso Nacional viabilize as mudanças legais necessárias para que o poder público, em parceria com a sociedade civil, possa expandir a metodologia de tratamento dos usuários do crack, fortalecendo o atendimento ambulatorial e oferecendo a internação, mesmo que compulsória, por determinado tempo para os casos mais graves.
LUIS FLAVIO SAPORI é coordenador do Centro de Pesquisas em Segurança Pública da PUC Minas e secretário-executivo do Instituto Minas pela Paz. Foi secretário-adjunto de Segurança Pública de Minas Gerais (2003-2007). É coautor do livro "Crack, Um Desafio Social" (ed. PUC Minas).
Fonte: Folha de São Paulo, de 25/06/2011.
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