Levantamento de economista da FGV mostra que tratamento de dependentes de drogas ilícitas virou prioridade
Gastos com transtornos ligados ao álcool caíram 45% de 1998 a 2007; para as drogas, recursos aumentaram 73%
É a política do cobertor curto. O governo reduziu entre 1998 e 2007 as verbas para tratar dependentes de álcool e aumentou para quem usa drogas ilícitas como crack, cocaína e maconha, segundo levantamento do economista Daniel Cerqueira, da Fundação Getúlio Vargas do Rio.
Não há números muito precisos, mas a dependência de álcool atinge cerca de 16 milhões de pessoas. Já os dependentes de drogas ilícitas não são mais do que 6 milhões. A queda de gastos foi detectada a partir do Datasus, que reúne dados do sistema de saúde pública no país.
Em 1998, o governo gastou R$ 413 milhões em tratamentos de transtornos do álcool. Em 2007, essa cifra caiu para R$ 226 milhões, um recuo de 45%. As internações nesse período diminuíram 26% (de 87.889 para 65.159).
Com as drogas ilícitas, ocorreu o fenômeno inverso: houve aumento de verbas, mas numa proporção menor do que o crescimento das internações. Os gastos com tratamentos, que eram de R$ 55 milhões em 1998, alcançaram R$ 95 milhões em 2007.
O número de internamentos explodiu nesse período. Passou de 13.905 em 1998 para 32.847 dez anos depois, um salto de 136%.
O total das verbas para tratar dependência de álcool e de drogas ilícitas caiu 31% nesses dez anos, de R$ 468 milhões para R$ 321 milhões.
SEM JUSTIFICATIVA
O Ministério da Saúde confirma que as internações para álcool caíram, mas diz que os recursos aumentaram.
O álcool é apontado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como a droga mais consumida no mundo. Seu uso é responsável por 4% das mortes, segundo a entidade.
"Essa queda de recursos para os transtornos do álcool é escandalosa", diz Dartiu Xavier, diretor do Proad (Programa de Orientação e Assistência a Dependentes).
Não faz sentido, segundo ele, diminuir recursos para um problema que é muito maior do que o das drogas.
"O álcool precisa de mais internação do que as outras drogas porque a síndrome de abstinência exige um atendimento hospitalar", diz. A psicóloga Ilana Pinsky, vice-presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Outras Drogas) e defensora das internações, diz que a estratégia do governo é esconder a redução dos gastos com álcool.
"Estão usando o drama do crack, que é grave, para não falar de álcool."
O programa federal contra a dependência chama-se Plano de Combate ao Crack e Outras Drogas.
Para o psiquiatra Valentim Gentil, professor da USP, os cortes de verbas para álcool integram uma política de redução de leitos de psiquiatria. O governo fechou 80 mil leitos entre 1989 e 2010.
OUTRO LADO
Hoje, tratamento é ambulatorial, diz ministério
O Ministério da Saúde confirma que as internações para tratamento de dependência de álcool caíram 29% entre 1998 e 2007.
O governo nega, porém, que tenha havido queda de recursos. Os valores passaram de R$ 56,4 milhõs em 1998 para R$ 59,4 milhões em 2007. No ano passado, foram gastos R$ 71,4 milhões.
Os valores e números são diferentes do levantamento do economista Daniel Cerqueira. Mas o ministério informou na noite da última sexta-feira que não tinha como rechecar os dados.
Para o coordenador de Saúde Mental do ministério, Roberto Tykanori, o levantamento da FGV erra ao se concentrar nas internações.
"Tratamento não se resume a internação. Hoje, grande parte do atendimento é feito em ambulatórios", diz.
Dois números traduzem essa mudança, segundo ele. Em 2002, a área de saúde mental realizava 450 mil consultas ambulatoriais. No ano passado, foram mais de 20 milhões. Para Tykanori, o governo não ignora o problema do álcool. "O crack não tem a gravidade do álcool. Mas é um problema similar ao que era a Aids há 20 anos. (MCC)
Fonte: Folha de São Paulo, 20/06/2011.
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