11 de jul. de 2012

Preço alto


A lei proíbe menores de beber, mas ninguém, nem os pais, a respeita. Os jovens pagam o preço por isso, e ele é alto

De todas as leis ignora­das no Brasil — e a lista é longa —, pou­cas são descumpridas com tanta naturalida­de, e na escala, como aquela que proíbe menores de 18 anos de beber. Pesquisa inédita feita em sete capitais do país — São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife. Rio de Janeiro. Belém e Campo Gran­de — mostra que adolescentes que ten­tam comprar bebidas alcoólicas têm sucesso em. pelo menos. 70% das ve­zes. Na capital paraense, esse índice chega a estupefacientes 88%, recorde seguido de perto pelo Rio. com 86%, Mesmo em São Paulo, onde uma nor­ma estadual aumenta o rigor das puni­ções aos donos de estabelecimentos que vendem bebida para menores. 71% dos adolescentes têm trânsito livre para o balcão do bar. As décadas de descum-primento da lei fizeram mais do que consolidar a ideia de que ela não passa de letra morta — contribuíram para que os adultos se habituassem a ver o con­sumo de bebida por adolescentes como um "mal menor", comparado aos peri­gos do mundo. "Não é", afirma o autor do estudo e uma das principais autori­dades brasileiras no assunto, o psiquia­tra Ronaldo Laranjeira, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador do Instituto Nacional de Políticas Públicas do Ál­cool e Drogas. "Os pais precisam en­tender que o álcool potencializa o risco de que aconteça aos seus filhos o que eles mais temem." Leia-se: que eles se metam em encrencas, e das grandes.
Quando foi fotografado por VEJA, o estudante de 16 anos de pé à esquerda tomava a primeira das dez cervejas que consumiria naquele dia. Com a mesada de 1700 reais, patrocina a farra da turma na praia e na balada. Quando a mãe soube dos seus excessos, ele prometeu beber só em casa. Mas não cumpre o acordo. "Nunca tive dificuldade para comprar bebida e entro na balada com uma identidade falsa infalível", diz.
Levantamentos feitos no Brasil e no exterior comprovam que beber — em qualquer idade — potencializa compor­tamentos temerários. No adolescente, com sua onipotência e impulsividade características, o risco de o álcool pro­vocar ou facilitar situações como gravi­dez precoce, contaminação por doenças sexualmente transmissíveis, envolvi­mento com a criminalidade e uso de drogas ilícitas é perigosamente maior. Junte-se a isso o fato de que, num orga­nismo jovem, o impacto e as consequên­cias da ingestão de bebida são muito diferentes do que os que incidem sobre um adulto (veja o quadro napág. 84), e a conclusão — unânime — dos especia­listas é: menores de 18 anos não devem beber sequer uma gota de álcool.
A experiência de muitos adultos, no entanto, ajuda a enfraquecer o que, para os cientistas, é uma certeza. Muitos pais pensam: 'Tomei minhas doses quando era jovem e hoje tenho um emprego está­vel, uma família feliz e uma relação sau­dável com a bebida". Por causa disso, novas pesquisas têm tentado matizar as
categorias de bebedores jovens e preci­sar os riscos associados a cada perfil. Es­se tipo de estudo é realizado há pelo me­nos uma década no exterior, mas só há pouco tempo começou a ser feito tam­bém aqui. Um precioso levantamento, a ser publicado no mês que vem na revista científica Drugs andAlcohol Dependen-ce, ouviu 15000 jovens nas 27 capitais brasileiras para mapear como, onde, quanto e o que bebem os adolescentes brasileiros. O foco escolhido foi o grupo que mais preocupa quem trata do proble­ma: jovens que bebem ao menos cinco doses de álcool em uma única ocasião — ou seja. que incorrem na popular ^bebe­deira". O cenário que emerge do estudo é alarmante. Ao longo de um ano, um em cada três jovens brasileiros de 14 a 17 anos se embebedou ao menos uma vez. Em 40% dos casos mais recentes, isso ocorreu na sua casa ou na de amigos e parentes. Os números confirmam tam­bém a leniência com que adultos enca­ram a transgressão. Em 11% dos episó­dios, os menores estavam acompanhados dos próprios pais ou de tios.
A jovem de 16 anos dividia uma mesa de bar e muita cerveja corn seis amigos. "Saído cinema e vim beber, para passar o tédio das férias", afirmou a adolescen­te, que diz estar acostumada a tomar dez latas de cerveja numa noite. Desde que começou a beber, aos 14 anos, passou a consumir pequenas doses de vinho, uísque e vodca - de garrafas que os pais mantinham no barde casa. "Sempre via aquelas embalagens e ficava curiosa para saber como era. Quando minha mãe descobriu que eu bebia, parou de comprar. Ela não faz ideia de que estou no bar."

BEBEDEIRA PRECOCE E EM FAMÍLIA


Pesquisa com 15000 pessoas mostra que 11% dos adolescentes brasileiros se embriagaram* em companhia de pais e tios
* Considera-se embriaguez o efeito produzido pelo consumo de cinco doses de bebida. Uma dose equivale a uma lata de cerveja ou bebida ice, uma taça de vinho ou 30 mi de destilado.
Fonte: Zíía Sancfcez. pesquisadora do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psícotróp/eas (Cebrid) da t/fwers/dade Federai de São Pauto

A estudante de 14 anos juntou-se a outras 3000 pessoas para assistir à final da Copa Libertadores em um telão na Praça do Rádio e torcer pelo Corinthians, Em Campo Grande, é proibido beberem locais públicos, independentemente da idade. Mas ninguém incomoda os contraventores. No dia do jogo, todo mundo bebeu na praça, mesmo com a presença de policiais. "Aqui não tem o que fazer, o jeito é beber", disse a jovem, que festejou tomando vodca com suco no gargalo da garrafa.

Um dos dados que mais chamam atenção na pesquisa é o que mostra que, ao contrário de países como os Estados Unidos, por exemplo, no Brasil, os jo­vens mais ricos são os que mais têm o hábito de se embebedar. O estudo mos­trou que quase metade dos jovens da classe A. em que a renda familiar média supera os 10000 reais, se embriagaram ao menos uma vez no Ultimo ano. E qua­se o dobro do índice registrado entre as classes D e E (renda familiar média de 600 reais).
Segundo uma das autoras do estudo, Zila Sanchez, isso se deve sobre ­tudo ao fato de que os brasileiros ainda relevam os riscos do álcool ao contrário do que ocorre entre os americanos. Além disso, jovens ricos têm uma vida social mais ativa e maior autonomia financeira do que os mais pobres, o que facilita o acesso à bebida. Influenciaria, ainda, um menor temor dos pais dessa classe média alta de que seus filhos se tornem margi­nais ou fracassados em razão do contato com o álcool, já que o ambiente de pro-teção social e o histórico familiar não apontam nessa direção.
Essa realidade já influencia também a oferta de serviços de saúde. Há cerca de dois anos, os mé­dicos do Hospital Israelita Albert Eins-tein. reduto da classe A, começaram a notar o fenómeno. "Não era comum atendermos adolescentes de 13 e 14 anos com intoxicações alcoólicas. Agora, dois ou três costumam dar entrada aqui por noite às sextas-feiras e aos sábados", ex­plica a pediatra Paula Cristina Ranzini, da Unidade de Pronto Atendimento In­fantil da unidade Morumbi do Einstein.
Os jovens chegam entre 23 horas e meia-noite e são levados pelos pais ou por pais de amigos. A situação mais comum é te­rem exagerado em bebidas ice (como é conhecida a mistura de vodca com refri­gerante ou suco de fruta) e destilados em festas na casa de amigos, chamadas de "esquema'". Os pais ficam perplexos e, muitas vezes, trocam acusações na frente dos médicos.
Diante da situação, o hospital montou um protocolo de atendimento especial para adolescentes embriagados, que prevê encaminha­mento para consulta com terapeuta er nos casos mais graves, avaliação psico­lógica antes da alta.
Entrevistas feitas por VEJA com jo­vens, pais e funcionários de bares de nor­te a sul do Brasil refletem com precisão a teoria do "mal menor" captada pelas pes­quisas. Uma mãe de Porto Alegre, por exemplo, disse que incentiva os filhos a beber em casa com os amigos para que não façam isso na rua, onde estariam de­samparados. Ela acredita que assim es­tá protegendo devidamente os meninos. Outros, como um garçom de Belém, ad­mitem vender bebidas a menores, por­que, se ele não o fizer, "outra pessoa vai

QUANTO MAIS CEDO, PIOR
O adolescente que bebe em excesso não só desenvolve um comportamento de risco como pode causar graves danos ao seu organismo

OS RISCOS DO ÁLCOOL PARA O COMPORTAMENTO,
Dos adolescentes
  • Engravidar
  • Pegar uma doença sexualmente transmissível Sofrer ym acidente de carro Envolver-se em brigas lirar notas baixas na escola

Quando os adolescentes se tornam adultos
  • Virar dependente de álcool
  • Virar dependente de drogas ilícitas
  • Desenvolver depressão ou outro transtorno mental

Fonte: Ronaldo Laranjeira, professor de psiquiatria da Unífesp e coordenador do instituto Nacional de Políticas Púbfícas tio Álcool e Drogas

As duas gaúchas de 17 anos da foto ao lado fazem um brinde à impunidade. Elas começaram a tomar cerveja há peio menos dois anos e hoje bebem quase diariamente. Nunca tiveram dificuldade para comprar as garrafas. Uma delas, estudante de filosofia, diz que as festas da turma na universidade pública em que estuda sempre têm gelatina com vodca. A outra, que ainda está no ensino médio, diz que só os religiosos de sua escola não bebem. As duas consideram o discurso antiálcool puro moralismo: "Café também já foi proibido para menores".
O garçom Ricardo Ornar, 35 anos, já vendeu cerveja a menores diversas vezes. "Eu trabalhava na praia, não tinha fiscalização nenhuma. Fico triste por ver adolescentes bebendo, mas, se eu não vendesse, outro iria vender", disse o garçom. Ornar ficou decepcionado recentemente, quando descobriu que seu filho de 15 anos também consome bebida alcoólica, mas não o proibiu. "Beber um pouco não faz mal, o problema é descambar para as drogas." 


Fonte: reportagem de Laura Diniz e Carolina Rangel publicada na revista Veja, de 11 de julho de 2012.

9 de jul. de 2012

Lesões no fígado



O álcool provoca sérias lesões no fígado

O álcool é uma droga fe­roz que faz mais vítimas do que a maconha ou cocaína e livrar-se da dependência é muito difícil, requer tratamento adequado e muita, multa boa vontade do pa­ciente. É crónico, o dependente se náo for persistente pode ter uma recaída a qualquer momento.
Estudos mostram que um número cada vez maior de jo­vens estão ingerindo bebidas alcoólicas; adolescentes entre 14 e 17 anos afirmam que já ex­perimentaram o seu primeiro gole aos 13 anos e são "consu­midores assíduos".
Tudo começa com um gole. Às vezes, a pessoa nem gosta de bebida alcoólica, mas cede por estar na companhia de amigos. Este caminho pode se tornar pe­rigoso. Quando o nível de álcool no sangue atinge apenas 0,10%, os efeitos são visíveis e já se percebe a falta de coordenação motora e a diminuição geral dos reflexos.
A Organização Mundial de Saúde explica que, dependen­do dos precedentes familiares, a cerveja pode se transformar em
uma porta de entrada para o al­coolismo que, por sua vez, pode trazer problemas graves, entre eles, doenças hepáticas, consi deradas uma das consequências clínicas mais graves do uso crô nico de álcool.
O fígado é um dos primei ro órgãos a ser a afetado pelo álcool pois é ele quem metaboliza a subs­tância    quando esta entra no organismo. O  bom  fun­cionamento deste  órgão é essencial à vida; o fíga­do tem a fun­ção de "filtrar" as    substâncias tóxicas absorvidas pelo intestino ou pro­duzidas em outras áreas do orga nismo e excretá-las como subpro dutos inofensivos.
Quando o álcool é ingerido o pico de concentração sanguí nea é atingido após 30 a 45 mi nutos, sendo assim, a substân cia leva mais tempo para ser metabolizada que para ser absorvi­da. Portanto, se o consumo não for controlado, o fígado começa a sentir o acúmulo das toxinas no corpo.
E tem mais uma agravan­te, além de o fígado ser um dos maiores órgãos do corpo huma­no, ele possui a capacidade de  se  regenerar,  con-seqúentemente,   os sintomas relacio­nados à lesão hepática   pro­vocada    pelo álcool podem passar     des­percebidos até que esta seja realmente extensa.
Para o sexo masculino, esta con­dição pode ser alcançada pelo uso de cerca de dois litros de cerveja, um litro de vinho ou 240 ml de bebidas destiladas ingeri­das diariamente, por pelo menos 20 anos. Já entre as mulheres, a quantidade necessária para pro­duzir prejuízos semelhantes é de apenas ¼ a ½ deste montante.
As principais doenças he­páticas causadas pelo exagero no consumo de bebidas alcoólicas são a hepatite e a cirrose. Esta última, resultado de diversas do­enças crónicas do fígado, é prati­camente assintomática e só será notada quando em estágio avan­çado. Como sintomas, a hepatite geralmente apresenta febre, fíga­do doloroso e varizes hepáticas.
A mistura do consumo ex­cessivo de álcool com o cigarro também deve ser considerada e evitada. Alcoolistas que fumam mais do que um maço de cigar­ro por dia apresentam três vezes mais chance de ter cirrose do que os indivíduos não tabagistas.
Assim, em linha gerais, o único tratamento para as do­enças hepáticas, causadas pelo álcool, é a abstinência da subs­tância.
Os pais devem ficar aten­tos ao comportamento de seus fi­lhos adolescentes. O velho jargão "tudo começa em casa" também vale aqui porque aquela inofen­siva cervejinha do final de sema­na pode se tornar um problemão para a vida inteira.
Fonte: matéria públicada no jornal Terceira Visão de 06/07/2012.

6 de jul. de 2012

Risco de dependencia


Mutação de dois genes aumenta em 50% risco de dependência de nicotina
Cientistas brasileiros descobrem que variação de dois genes que atuam no sistema nervoso central, onde a nicotina age, pode levar à produção de remédios personalizados

Uma pesquisa brasileira revelou que a mutação de dois genes pode aumentar em quase 50% a probabilidade de uma pessoa ser fumante. Os resultados foram publicados na revista científica PLoS ONE.
O estudo, feito com a amostra de sangue de 531 voluntários, mostra que os dois genes estão associados diretamente ao glutamato, neurotransmissor relacionado à sensação de prazer, e ao sistema nervoso central, onde a nicotina atua.
A pesquisadora Vanessa Santos, responsável pelo estudo realizado na PUC-RS, acredita que a descoberta pode ajudar na futura produção de remédios personalizados - direcionados para dependentes com diferentes tipos de patrimônio genético.
"Hoje, as empresas lançam um remédio para a população em geral e vê se dá resultado", afirma. "A tendência é que, no futuro, nós possamos focar em uma pessoa e fazer o tratamento dar certo."

Multifatorial
Embora os dois genes sejam clinicamente relevantes para identificar uma predisposição à dependência de nicotina, a pesquisadora lembra que o tabagismo é uma doença multifatorial e, por isso, varia de pessoa para pessoa de acordo com aspectos sociais e comportamentais.
"Não podemos prevenir o tabagismo somente verificando esses dois genes", afirma. "Essa doença é um grande quebra-cabeça, e a nossa pesquisa fornece aos profissionais de saúde um maior conhecimento sobre ela."
Para o coordenador do Programa de Controle do Tabagismo do hospital universitário da PUC-RS, José Chatkin, que orientou a pesquisa, remédios baseados em perfis genéticos podem ajudar pessoas com dificuldade para largar o vício, mas não serão efetivos se aplicados de forma isolada.
"Pela genética se consegue determinar qual o melhor fármaco para a pessoa A ou para a pessoa B, mas o sucesso do tratamento ainda vai depender da vontade do fumante de querer parar."
De acordo com o médico Gustavo Prado, pneumologista que estuda tabagismo no Instituto do Coração (Incor), a pesquisa apresenta números relevantes, mas ainda não é possível afirmar que o polimorfismo de dois genes é o causador da dependência de nicotina.
"Substâncias codificadas por esses genes, como o glutamato, podem estar envolvidas nas alterações funcionais do sistema nervoso que predispõem uma pessoa ao desenvolvimento de doenças como a dependência da nicotina, mas os resultados ainda devem ser vistos com cautela", afirma o médico.

Novos tratamentos
Em busca de soluções inspiradas na engenharia genética, pesquisadores da Weill Cornell Medical College, nos EUA, desenvolveram uma nova vacina contra a nicotina.
O tratamento, aplicado em camundongos, consiste em mapear a sequência genética necessária para produzir anticorpos antinicotina. O DNA resultante é inserido em vírus, que, injetados nos dependentes, espalham-se pelo organismo e ajudam a potencializar a produção de anticorpos.
"Até onde sabemos, a melhor maneira de tratar o vício é ter anticorpos de patrulha, limpando o sangue antes que a nicotina possa ter algum efeito biológico", afirma o coordenador da pesquisa, Ronald Crystal.
O estudo, publicado na revista científica Science Translational Medicine, mostra que a concentração de nicotina no cérebro de camundongos dependentes diminuiu 85% depois da vacina.
Crystal diz que o tratamento só poderá ser testado em humanos daqui a alguns anos, depois de mais estudos.
Fonte: reportagem de Luiz Carrasco, publicada no Estadão de 06 de julho de 2012.