Uso pesado de bebida é mais
frequente por garotas, segundo pesquisa com 1.507 alunos até 18 anos
Há cinco meses, a universitária Luiza (nome
fictício) foi admitida como secretária num escritório de advocacia. No terceiro
dia de trabalho, o patrão a convidou para sair e beber. "Para se
conhecerem melhor", disse ele. Luiza aceitou e se embriagou.
"Antes de ir para casa, voltei ao
escritório para 'melhorar1 e deitei numa poltrona. Quando acordei,
estava transando com meu chefe", lembra. Na época, Luiza estava com 17
anos. Ele tinha 35.
No dia seguinte ao sexo sem camisinha, a garota
buscou um teste de gravidez de farmácia. "Só então soube que nem adianta
[testar] logo em seguida", conta.
A história ilustra o que uma recente pesquisa da
Faculdade de Medicina de Bo-tucatu da Unesp (Universidade Estadual Paulista)
aponta: meninas de até 18 anos consomem bebidas alcoólicas tanto quanto os
meninos. Quando o assunto é embriaguez, elas os superam.
Para a psiquiatra Florence Kerr-Corrêa, que
orientou o estudo da Unesp, a pesquisa aborda padrões culturais e de
comportamento, mas também traz novidades sobre aspectos relativos à saúde de
garotos e garotas.
Sexo e violência
A pesquisa entrevistou 1.507 estudantes das
redes pública e privada, nos ensinos fundamental e médio. O uso de álcool foi
declarado por 19% delas e por 18,7% deles. E 12,5% das garotas assumem o uso
pesado de bebida, contra 9,1% deles.
Os índices são maiores do que os apontados pelo
Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, em levantamento
feito a cada cinco anos em 27 capitais.
Em 2010, os índices de meninas que bebem eram de
42,5% e 47,1% nas redes pública e privada, respectivamente. Entre os meninos,
eram de 39,7% e 47,9%.
Mas, diz Florence, enquanto o garoto bêbado tende
à violência, a menina se torna vulnerável ao sexo, com maior risco de gravidez
indesejada e de doenças sexualmente transmissíveis.
E as mais ricas bebem mais. "Elas recebem
mesada e têm acesso a festas. Não bebem escondido, é um 'beber social'."
(Simei Morais)
Começo da bebedeira a partir
dos 14 anos
Luiza - 18 anos recém-completados - estava num
bar da rua Augusta, na última terça, com quatro amigas da mesma idade. Todas
disseram que começaram a beber por volta dos 14 anos. "Antes, eu bebia
em festas. Hoje, qualquer dia é dia", disse uma delas.
Na mesma noite, outras quatro amigas entre 22 e
23 anos bebiam diante de uma faculdade, no centro de SP. "No final do
ensino médio, bebíamos as sextas, após a aula", disse uma das jovens.
Segundo o grupo, atualmente elas bebem juntas ao menos uma vez por semana.
Atitude é reflexo de
conquistas
O comportamento das meninas no bar reflete as
conquistas das mulheres nos últimos anos, diz a professora Leda Tardivo, da
faculdade de Psicologia da USP.
"O acesso [à bebida] tem a ver com a maior
liberação que as mulheres estão vivendo. As próprias meninas têm mais
iniciativas que antes eram consideradas masculinas", afirma.
Para o psiquiatra Thiago Fidalgo, do Programa de
Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp, entre quem procura tratamento,
mulheres são minoria.
"A culpa imposta pela sociedade ainda é
maior para a mulher", diz. Ele alerta me-' ninos e meninas: beber
pre-cocemente afeta o desenvolvimento do sistema nervoso, que se completa após
os 20 anos.
Organismo feminino sofre mais
com álcool
O corpo da mulher é mais sensível que o do homem por ser
mais vulnerável a permanência do álcool em forma de etanol, mais agressivo.
“Se uma mulher e um homem começarem a beber na
mesma idade e ingerirem a mesma quantidade, ela desnvolverá doenças mais cedo.
O tempo para desenvolver dependência [a quem tem predisposição], é a metade",
diz a psiquiatra Camila Magalhães Silveira, do Instituto de Psiquiatria do
Hospital das Clínicas. Para ela, a mulher tem direito a beber, mas deve
conhecer os limites do corpo.
Fonte: matéria de
Simei Morais, publicada no Agora de 29/04/2012.